TRIBUTO A ESPERANÇA

"Esperança", o mais novo livro de Eneas Barros - de quem não me furto de afirmar que se trata do maior romancista ora em atividade no Piauí - é um detalhado, mas não enfadonho, romance histórico que se passa na segunda metade do Século XVIII. Em meio ao relato da aventura paralela do resgate do filho de uma degredada de Portugal, o autor retrata a vida da escrava Esperança Garcia, cujos registros atestam ter escrito uma carta-denúncia ao então Governador da Capitania de São José do Piauí, Lourenço Botelho, descrevendo as agruras e torturas por que passavam os escravos e os índios sob a administração do inspetor Antônio Vieira de Couto, da Inspeção de Canindé, uma das três inspeções em que foram divididas pela Coroa Portuguesa as terras confiscadas aos jesuítas e que lhes havia deixado em sucessão o desbravador Domingos Afonso Mafrense.

Capistrano de Abreu, em seus "Capítulos de História Colonial", deixou assentado que quem quisesse entender a colonização do Brasil deveria buscar a história da conquista dos "Sertões de Dentro" ou "Sertões de Rodelas", ampla área de terras a oeste do Rio São Francisco que se estende até às fraldas do Rio Parnaíba, no Estado do Piauí.

Pois bem, num estilo ágil e prazeroso de se ler, muito dessa história exsurge das páginas deste romance de fôlego, com fartas referências ao regime escravocrata à época vigente e, mormente, às consequências e sanções judiciais e administrativas que advieram ao inspetor Vieira de Couto em virtude de ter tentado contra a liberdade sexual de Esperança Garcia, que resistiu bravamente a todas as sevícias e investidas airadas do inspetor, vindo a fugir e refugiar-se na Serra da Ibiapaba, no Ceará, e, depois, tendo retornado à Fazenda Algodões, no Piauí, onde nascera.

Dessarte, o mais novo romance de Eneas Barros, ao passo que alinhava uma narrativa e um enredo envolventes, descortinando toda uma aventura pelos Sertões de Rodelas do Brasil colonial, tão caros aos olhos percucientes de Capistrano de Abreu, resgata a história da escrava insurgente Esperança Garcia - hoje considerada pela OAB Piauí, em virtude de sua carta-denúncia, a primeira advogada do Estado - das brumas do esquecimento literário, tributando justa homenagem àquela que, com a sua tenaz insurgência, acabou por legar dias melhores aos seus irmãos negros, crioulos, mestiços e mulatos que ainda viviam sob o jugo da escravidão na Capitania de São José do Piauí.

Vale, pois, a sua aquisição e integral leitura!

Texto: Regis de Moraes Marinho